Santiago 2023 (3)

Dia 4: Pamplona a Puente La Reina

Albergue Jesus y Maria

Albergue Jesus e Maria

Apesar da festança em ruas próximas, a pernoite no albergue Jesús y María foi muito tranquila. O albergue é um dos albergues mais conhecidos de Pamplona, situado no centro histórico da cidade, próximo à Catedral. Originalmente construído no século XVIII como uma igreja e escola para padres, o edifício foi transformado em um albergue que acolhe peregrino. Possui mais de 100 camas em dormitórios compartilhados, distribuídas em dois andares de um edifício com arquitetura histórica muito preservada.

Sem dúvida, mesmo sendo um dos maiores albergues no caminho, é muito organizado e com uma estrutura de tirar o chapéu.

Saindo de Pamplona

Saímos extamente às 7:00, com o grupo completo. Ainda não estava acostumado a começar a caminhar ainda no escuro, mas isso iria se resolver com o tempo.

Prevendo a temida subida até Alto del Perdon, resolvi enviar a mochila para Puente La Reina e reduzir a carga na lomba (sábia decisão).

Saindo de Pamplona

Passamos pelos Jardins de La Tacomera e contornamos a impressionante “Ciudadela de Pamplona”. Finalmente saímos da cidade cortando o campus da Universidad Navarra. Certamente, um dos trechos de caminhada urbana mais agradáveis do meu Caminho!

Café da manhã em Cizur Menor

Na fome… Qualquer coisa vira banquete

Depois de 5 km, chegamos a Cizur Menor para o merecido café da manhã no Asador Parador El Tremendo (a pior tortilha do caminho, na minha humilde opinião).

Cizur Menor conta com 2500 habitantes e possui uma igreja do século XII dedicada a São Miguel Arcanjo, que atualmente é uma pousada de peregrinos governada pela Ordem Soberana de Malta.

Eu e Joseph Kin, saindo de Cizur Menor

Em um próximo caminho, considero seriamente passar direto por Pamplona e pernoitar em Cizur Menor. Uma graça de cidade.

O próximo pueblo seria Zariquiegui, com 6 km sem grandes dificuldades. Porém, o calor e a falta de sombras maltratava os peregrinos naquela manhã.

O calor faz a primeira vítima no grupo

Calor fazendo vítimas

Apesar da pequena distância, o grupo se dispersou. Joseph Kin disparou na frente com sua gigantesca mochila de 12 quilos e Kathy desapareceu na retaguarda.

Eu e Yan Yan reduzimos o ritmo para ver se Kathy nos alcançava, porém, ficou claro que ela estava bem mais lenta. Decidimos seguir até Zariquiegui e esperá-la por lá (na sombra).

Reencontro em Zariquiegui

Igreja de San Andrés

Alcançamos Joseph Kin, que nos esperava em uma agradável sombra ao lado da igreja de San Andrés, e lá ficamos esperando Kathy.

O tempo foi passando e nenhum sinal de nossa companheira. Sua condição física nos preocupava e a falta de notícias não ajudava.

Finalmente recebemos uma mensagem com sua decisão de não continuar naquele dia. Fazer o quê? Nos encontraríamos mais a frente!

Recuperação

Finalmente o Alto Del Perdon

Alto del Perdon
Alto del Perdon

Pouco à frente nos esperava um dos ícones do caminho: o famoso Alto del Perdon!

Até aqui, me preocupava a temida subida, pois seria uma elevação de 150 metros em um trecho de somente 2 ou 3 km. Para minha surpresa, foi bem mais fácil do que esperava. Não sei se estava concentrado em outra coisa, mas este trecho passou rápido.

Finalmente, diante de mim, as famosas esculturas em ferro, que retratam os peregrinos enfrentando ventos e condições adversas, além de simbolizar sua jornada espiritual.

Lá encontramos Patricia e sua irmã, que chegaram de táxi a partir do albergue onde Kathy resolveu parar. Estava tudo bem!

Joseph, Yan, Patrícia e sua irmã

Descida sofrida

Descida do Alto del Perdon

Tão famosa quanto o próprio monumento no Alto del Perdon, é sua descida. Já sabia que o nível de dificuldade seria alto, porém, a realidade superou de longe a descrição.

São 3 km morro abaixo, com desnível de 250 metros em trilha de pedras, do tamanho de uma mão fechada, que dificultam muito as passadas, além do risco de quedas e torções.

O jeito foi descer com calma, usando e abusando dos bastões de caminhada para não levar um tombo. Mas os joelhos doiam muito, e para compensar, descia meio de lado para não forçar demais. Sem os bastões de caminhada não sei que conseguiria descer sem algum acidente.

Programa de domingo em Uterga

Almoço comunitário em Uterga

Uterga é um pequeno pueblo com apenas 170 habitantes e 6 quarteirões de extensão (no máximo). A impressão que se tem é a de estamos em um cenário de filme.

Nos chamou a atenção um grupo de famílias reunidas em um gramado ao fundo do Ayuntamento (Câmara Municipal) e ao lado da Igreja de La Assuncion (século XVI).

Perguntei se era alguma comemoração. Para minha surpresa, se tratava de uma costumeira reunião de domingo das famílias locais para colocar a conversa em dia. Coisas que só se encontra nos pequenos pueblos.

Separação em Muruzabal

Dali até Muruzabal foi uma vinha leve e bem tranquila. O calor ainda estava muito forte, mas seguimos em frente sem nos grandes esforços.

Muruzábal remonta ao período medieval, com registros indicando sua existência desde o século XII e mantendo muito de seu charme histórico e cultural.

Lá, me separei de Joseph Kin e Yan Yan, pois faria um desvio para Santa Maria de Eunate e quanto eles seguiriam direto para Puente La Reina. Combinamos de jantar juntos e assim que chegasse, entraria em contato.

Ainda em Muruzabal, segui até a Igreja de San Esteban com expectiva de descansar um pouco, mas estava fechada. Esqueci que era domingo!

Segui em frente. Deveria ter parado, pois as dores aumentaram demais logo após sair da pequena cidade. Além disso, àquela hora, o sol e o calor eram sufocantes!

Santa Maria de Eunate

A esta altura do campeonato, o calor e as pedras da descida do Alto del Perdon já cobravam seu preço em forma de (muita) dor nos pés. Mas conhecer Eunate valia a pena o esforço!

Cercada de mistérios, Santa Maria de Eunate foi construída no século XII com uma arquitetura especial e muito singular para a época.

Sua ligação com os Templários é objeto de debate, e certamente possuem uma conexão. Valeu a pena!

Além disso, a igreja faz parte do Patrimônio Mundial da UNESCO, devido à sua importância histórica e cultural do Caminho de Santiago.

Dali a Puente La Reina seriam mais 5 km. Vamos em frente!

Puente de La Reina

Depois de quase 8 horas de caminhada sob sol forte e calor escaldante, cheguei finalmente a Puente de La Reina, mais morto do que vivo. Sinceramente, parecia que tinha tomado uma surra nas solas dos pés, tamanha a dor que sentia a cada passo. A sensação era de estar descalço caminhando sobre pedras.

A bela cidade de Puente la Reina foi fundada no século XI, sendo famosa por sua ponte sobre o rio Arga, construída para facilitar a travessia dos peregrinos que percorriam o Caminho de Santiago.

Entrei na cidade pela Calle del Crucifijo, e passei em frente ao Colégio dos Padres Reparadores, de arquitetura moderna e bem diferente do que esperava em uma cidade de 1000 anos. Contornei prédio e logo dei de cara com um antigo portal de entrada da cidade. Agora sim, entrava no ambiente histórico que tanto gosto!

Logo passei em frente à Igreja de Santiago, construída no século XII, cujo pórtico de entrada ainda é conservado como foi construído. Pensei em entrar, mas os pés doíam demais. Segui em busca do albergue.

Albergue Estrela Guia

Finalmente, cheguei ao albergue Estrela Guia, de propriedade da hospitaleira Nathalia, uma brasileira super alto astral e fora da curva! De longe, a melhor recepção que recebi no Caminho!

Ao chegar, só pensava em tomar um banho, descansar e sair para encontrar Joseph Kin e Yan Yan para jantar (combinamos de nos encontramos por lá). Porém, para minha surpresa, minha mochila, que havia enviado desde Pamplona, não havia sido entregue no albergue.

Cadê minha mochila?

Nesta hora, a quem recorrer? Pedi ajuda à Nathalia, que logo descobriu que a bendita seria entregue em 30 minutos. Um verdadeiro alívio, mas estava tão esgotado que nem comemorei com deveria. Aqui fica meu agradecimento à Nathalia que, sempre com um enorme sorriso no rosto, resolveu tudo em menos de 2 minutos.

Dores… Muitas dores!

Banho tomado e a vontade era deitar, colocar os pés para cima e só levantar no dia seguinte. Porém, além da fome, também havia o compromisso de jantar com Josehp Kin e Yan Yan.

Os chinelos não protegiam meus pés das irregularidades do calçamento das ruas medivais de Puente La Reina. Cada passo era uma tortura! O jeito foi seguir em frente, fazendo caretas e um passo de cada vez… Devagar e sempre.

Do albergue ao restaurante, foram 250 metros lentos e dolorosos. Desconfiava que ainda teria outros piores à frente, e logo iria descobrir que estava certo.

Jantar dos Deuses

Meu companheiro de viagem, Joseph Kin, já me esperava no restaurante La Conrada, com o providencial canecão de Estrela Galícia gelado. Antes de dizer “olá”, agarrei minha caneca e virei metade em um só gole e imediatamente, meu humor foi restaurado. Agora sim, estava pronto para jogar conversa fora. Logo depois, Yan Yan apareceu com um jovem casal de americanos que conheceu em seu albergue, e a prosa corria solta.

Para decepção geral (e certo desespero), descobrimos que a cozinha do restaurante só abriria dali a uma hora. Até lá, somente porções de azeitonas para acalmar a fome.

Por mim tudo bem, mas Yan Yan literalmente explodiu. Foi embora emburrada em busca de qualquer refeição que fosse mais rápida. Saiu batendo pé, seguida de seus novos companheiros.

Eu não levantaria dali por nada. Afinal, estava na sombra, sentado, comendo azeitonas e com um grande canecão de cerveja gelada na mão. Considerando o esforço do dia, era o mais próximo do Paraíso naquelas condições.

As cadeiras vagas deixas por Yan Yan e seus novos amigos foram logo ocupadas por Patricia e “Handsome”, o casal de policiais canadenses que conhecemos em Pamplona. Ficariam com a gente até a chegada de seu grupo.

Acabado o jantar, voltei ao “Estrela Guia” fui direto para cama. Dormi super bem, porém, detonado.